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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

"Feliz" Ano Novo



Agora, penso sobre esta tão falada e idolatrada "Prosperidade" que percorre, há muito, os tortuosos trilhos dos enganos humanos...

Ela é o fruto desse mesmo progresso, de "uma única asa", que atravessa a pleno vapor os prados cinzentos, já sem vida, outrora verdejantes, dos nossos corações, arrancando-nos um fascínio doentio: sorrisos reptis e olhares vitrificados de pura alienação.


À maneira duma sereia, a abundância gerada as custas do sangue de milhões de explorados, embala com seu canto o nosso conforto comodista para, logo em seguida, arrastar-nos, impiedosa, até os pontiagudos recifes da imprevidência.

Esta prosperidade, solta e louca, nas mãos de tão poucos, movimenta o frio maquinário da cobiça, tal qual maquinista a conduzir insandecido uma locomotiva que cospe, em jorros, fumaça negra com odor de ganância. Carrega em seus vagões repletos de soja, aço, carvão, urânio, petróleo e sílica - num moto quase contínuo - o combustível do vai-e-vem famélico da insaciável quimera chamada "Consumismo".

Sepultando nossas almas nos túmulos da egolatria, sob o mármore da vaidade, a punjança dessa minoria impõe-nos regras de conduta sob o guante do materialismo ardiloso. E modela, amparada pela publicidade voraz, as mentes subjugadas pelo vazio do modismo, como se conferisse a elas a forma dum recipiente de plástico descartável ordinário, de colorido displicente.

Equipado, o comboio, em sua vanguarda, com o imenso rolo compressor da corrupção, vai esmagando em seu caminho aqueles menos favorecidos, deserdados da Justiça e do Bem Comum.

Imperfeito, ergue-se o desenvolvimento no horizonte da humanidade, como um Sol eclipsado, por intermédio de políticas levianas oriundas do contubérnio subjacente das grandes corporações . Essas mesmas políticas que, no terreno fértil da ignorância, promovem opressões de natureza ideológica e financeira, quebrando vontades e dissolvendo culturas em pedaços que se segregam e se estratificam, cada vez mais, em fragmentos diminutos, até desaparecerem, por completo, nos ódios das guerras fratricidas.

Com seu apito de bronze, de som estridente - semelhante a um grito humano de agonia -, em linhas férreas de traçado inconstante, corre vertiginoso o trem da nossa "Prosperidade". Mais célere do que a nossa Natureza pode suportar.

Acelera, então, a cada segundo, a germinação do sogo transgênico nos campos; a fermentação alcoólica dos engenhos; a partição atômica nas usinas nucleares; o erguimento dos arranha-céus nas esquinas; o parto dos bovinos nos currais; as oscilações luminosas da energia nas fibras ópticas; o tráfego das informações internáuticas, às custas dos corações ansiosos nos centros de compras... 

* * *

Ainda que nem sempre nela pense, ainda que me esqueça - quase sempre - das suas mãos onipresentes, ela sempre me olha, me procura e me deseja...

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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Amores Imperfeitos

sábado, 10 de outubro de 2009

Teia de Aranha


A trama extensa era urdida em fina e delicada tecitura.

Quase invisíveis - há quem diga intangíveis -, as suas linhas ainda sustentavam incrivelmente um corpo animalesco, antes homem, cuja densidade do espírito parecia desafiar as leis da gravidade moral: onde o todo de um ser que se desarmoniza vem a baixo.

Os milhares de fios ali pendentes diziam algo sobre o largo tempo vivido, na ausência da realidade, por quem os fez, imprudente. Tão enredado estava, o autor desta sinistra obra, no resultado de suas próprias convicções infelizes que, por completo, ela se fazia extensão de seu ser.

Num misto de tormento e prazer, o tecelão imprevidente afirmava que dela não mais conseguia sair. Creditava à malha fria, tão bela e suave, uma resistência maior que a do aço mais temperado, embora lhe tenham revelado, incontáveis vezes, que a mesma poderia ser desfeita com um simples sopro de vontade...


A teia, engendrada pelos desatinos e pelos desejos desenfreados do passar dos anos, permitiu farta nutrição da vaidade e da tolice. A vida em suas fibras manteve famintas todas as ilusões mais insanas.

Movimenta-se agora, a criatura, por entre seus fios, assombrada em seus sonhos pelo vazio da existência que vai deixando dentro de si. Ela espera o momento que a inconseqüência, outra vez desperta, satisfaça seu mais recôndito instinto.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Haiku


Calor de setembro

Que a chuva alivia

Súbito trovão!



* * *


Poeira na tarde

Surgindo no caminhar

Como enxergar?


sábado, 12 de setembro de 2009

Alma, Poesia & Representação

Colocar em palavras os sentimentos altera sobremaneira a realidade vivida pelo poeta.

Alma nenhuma está circunscrita ao corpo, ou a um único corpo. Não falo aqui em reencarnação. Refiro-me à liberdade que a alma - essência de qualquer ente - pode encontrar no pensamento (ou no coração) de outrem.

Entretanto, será que a essência encontra mesmo liberdade neste mundo?

Toda essência é fugidia por natureza. Sempre clama por liberdade, ante o mínimo ato de limitação por parte do poeta.

Quem sabe se não é essa dialética, entre o aprisionamento que a razão impõe à alma e o permanente anseio desta última por fugir das amarras daqueloutra, que enseja os rasgos de criatividade?

Neste plano das formas, onde imperam os rótulos, as compactações, os embrulhos e revestimentos talvez só reste à essência das coisas o espaço limitado das representações, por maior que seja o espaço permitido pela consciência de outrem.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Who's gonna drive you home, tonight?




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Na música: "Drive" composed by Ric Ocasek (The Cars).

domingo, 23 de agosto de 2009

Desapego





Sem você aqui,

Sempre o tudo

É feito o nada...

Mas estou aprendendo a aceitar

Que a graça do verbo amar

É estar em alguém,

E não se apegar:

Onda que vem e vai

Sem querer,

O meu querer

Que agita feito brisa,

Esse azul de nosso mar...


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Na imagem: "Sun Curl", photo by Clark Little. Na música: "Gymnopedie nº1", composer by Erik Satie.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Solitários


By Gaijin Virtual

domingo, 16 de agosto de 2009

And I Love Her...

Crime Perfeito*

Minha rua também costumava ser assim, cheia de tranqüilidade.

Nela, jogávamos pelada e armávamos até rede de vôlei. Em nossos prédios, nem portões havia... Quase todos os vizinhos conheciam-se. Pouquíssimos carros pasavam por aqui. Era realmente uma rua sem significado no mapa de minha cidade, para nossa antiga felicidade.

Até que, numa madrugada, acordei com o barulho de máquinas e homens trabalhando. Estavam transformando minha paz numa via de acesso importante para um novo vizinho: o consumo. Tinham construído um supermercado a três quadras de onde moro...

Hoje, desperto ao som de buzinas impacientes e roncos vorazes de motores desregulados.

E foi desse jeito que assassinaram impiedosamente meu sossego.

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* - Comentário meu feito no blog Mel's no dia 13/07/2009.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Liberto


Tentei distanciar-me da saudade que a tua ausência trouxe a minha existência sem sentido. Não suportava amar apenas a solidão.

Contra minha vontade, degredei-me para uma ilha distante, onde reina o egoísta infeliz que todos os dias lamenta-se profundamente por ser assim...

Sentenciei meus sentimentos por ti a instantes intermináveis de amargo silêncio, porque perdem a razão quando alguém se encontra só.

De pensamento mudo, o claustro da cela ao qual me condenei fez-me quedar na vergonha por ter desejado nunca mais te ver...

Todavia, já deveria saber: um coração que ama é indomável, insofreável, impossível de ser preso eternamente nos pesados grilhões da indiferença do eu obscuro!

Fugi, então, de forma espetacular, dessa prisão úmida e escura, deixando para trás uma ilha chamada "tenho medo de te amar".


*   *   *

O Sol da Paixão cegou-me, cobrando o seu tributo, por eu ter sido tão rebelde.

Mas os deuses, por compaixão, fizeram com que voltasse a enxergar...

...pelos olhos de tua alma...

"E assim deve ser" - disseram-nos - "para que nunca mais haja solidão entre vós que amais um ao outro".

segunda-feira, 13 de julho de 2009

E o teu medo de ter medo de ter medo




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Na música: Daniel na Cova dos Leões (Renato Russo & Renato Rocha).

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quando era um pouco mais jovem...

- Vamos civilizar o mundo! - dizia meu pai com a ironia que sempre lhe fora peculiar, enquanto ia pondo um vinil de música erudita na vitrola.

Meu dia começava assim, aos domingos...

Das nove da manhã até às três da tarde, abríamos as portas de casa para que adentrasse uma plêiade de ilustres visitantes: Vivaldi, Bach, Corelli, Schumann, Berlioz, Grieg, Villa-Lobos, Beethoven, Schubert, Mozart, Mendelsohn, Haydn, Haendel, Tchaikovsky, Strauss, Dvořák, Debussy, Liszt, Torelli, Mussorgsky e tantos outros.

Para mim, a nossa sala de estar ganhava as dimensões dum salão de festas palaciano, todavia, sem a presença vaidosa e inconveniente de "nobres" e de intelectuais que costumavam, e até hoje assim o fazem, amontoar-se onde se ouve boa música.

Quando a agulha nos discos tombava, as sinfonias, os concertos, as árias, os corais, as suítes, as valsas e os minuetos exalavam por todo ambiente sua grandeza e graciosidade. Falavam conosco, os compositores, de espírito para espírito, sobre o melhor da Natureza - o que incluia o homem, evidentemente.

Por entre allegros, largos, andantes, adágios e prestos, as obras sucediam-se cronologicamente: Barroco, Classicismo, Romantismo... dando sentido àquela aventura musical.

Cada uma dessas épocas fazia emergir a sua cota de imagens em minha tela mental, trazendo-me uma gama imensa de emoções e sentimentos indescritíveis. É próprio da música instrumental essa magnífica arte do "nada impôr, apenas sugerir"; de modo que, para cada nova audição, uma nova realidade, porquanto vamos morrendo e ressurgindo nos segundos que não cessam...

Elas, as melodias, traziam-me a união com o divino, as nuances da vida urbana, o amor impossível, o calor causticante do deserto, o sopro do vento campestre, o azul do mar e sua arrebentação, o tédio e a melancolia, o irromper do trovão, o martírio do herói, a chuva suave, os perfumes da primavera, a passagem do tempo, o frio invernal, o canto dos pássaros, a alegria dos camponeses após a colheita, a paixão pela pátria, o pôr-do-sol no outono, a solidão, a saudade, a liberdade... e muito mais! Sempre mais...

Ainda continuo percebendo situações sentimentais novas quando as ouço...

Um dos momentos inesquecíveis nesses nossos encontros era quando se fazia sentir a presença do compositor polonês, Frédéric Chopin (1810-1849).

Poderia passar o resto da noite (e a madrugada inteira) adjetivando positivamente a obra desse mestre e, mesmo assim, além de não ser suficiente, tudo isso não acarretar qualquer significado para quem lê estas linhas (o açúcar é doce, mas apenas chegamos a essa conclusão quando o experimentamos...). Melhor que falar da música é vivê-la:

A razão de postar esse vídeo foi porque, dentre outras versões que escutei até o presente instante, essa interpretação é a que mais se aproxima daquela outra que ouvi, quando era um pouco mais jovem...

*   *   *  

São atribuídas a Joseph Haydn (1732-1809), compositor do período denominado Classicismo, as seguintes palavras: "Muitas vezes - lutando contra obstáculos de toda ordem, ou sentindo minhas forças falharem e acreditando difícil perserverar no caminho escolhido - um secreto sentimento murmurava dentro de mim: 'existem poucas pessoas contentes e felizes aqui na Terra; talvez, teu trabalho possa, um dia, ser a fonte onde os fracos, abatidos e sobrecarregados encontrem alguns momentos de repouso e bem-estar'".

Passados duzentos anos da morte desse notável músico, digo-lhes que, na minha pessoa, o "talvez" dessa voz sublime, transformou-se em certeza...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Autofagia


É nele que me consumo,
Neste prato de solidão,
Minguando com a Lua,
No assobio do ibijaú,
A buscar inspiração...

Abraço esse sumiço,
Até a alvorada chegar,
 E deixo de ser gente,
Fico de um jeito diferente,
Que nem consigo me enxergar!

Então, renasço como palavra,
Nas letras de amor ou dor,
Sem saber onde estou,
E muito menos quem sou,
Nem voltando a ser quem era,
Ainda que me olhe o leitor...


segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nada Sei


No vídeo: Nada Sei (Apnéia) - Kid Abelha Acústico MTv, composição de George Israel e Paula Toller.

Manhã Chuvosa


Ontem, vi uma lágrima cristalina rolando mansa em teu rosto.

Desceu lenta, triste e graciosa e perdeu-se na palma de minha mão...

Mais uma, duas, três lágrimas... e foram todas fazer moradia num dos recantos de minh'alma, por entre teus soluços - cantos mudos de teu coração.

Gentilmente, toquei a tua rubra face, escondida por entre a maciez de teus longos cabelos, procurando, comovido, o teu olhar.

Beijei com ternura teus lindos olhos marejados, experimentando o gosto do teu ser que me molhou de amor.

Percorri com meus lábios, umedecidos pelo teu pranto, os caminhos por ele marcados. Alcancei a tua insinuante boca entreaberta, a tempo de ouvi-la sussurrar o meu nome.

Segurei tua mão, levando-a ao encontro de meu peito louco palpitante para, finalmente, trazer-te toda por inteiro, até desaparcermos, inseparáveis, no acalento de um abraço.

E aquele sabor de lágrima, da tua alma, nunca mais saiu de mim...


sábado, 4 de julho de 2009

Derrubando minha torre: não quero pedras ao meu redor



All Along the Watchtower

(Composição: Bob Dylan / interpretação: Jimi Hendrix)

There must be some kind of way out of here,
said the joker to the thief
theres too much confusion,
I cant get no relief.

Business men they drink my wine,
plow men dig my Earth,
none with a level on their mind,
nobody out of this world.

No reason to get excited,
the thief he kindly spoke,
there are many here among us,
who think that life is but a joke,
but you and I, we've been through that,
and this is not our fate,
so let stop talking falsely now,
the hour is getting late.

All along the watchtower,
princes kept the view,
while all the women came and went,
barefoot servants too.

Outside in the cold distance,
a wild cat did growl,
two riders were approaching,
and the wind began to howl.

All along the tower,
everywhere,

everywhere I went...


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Na imagem: arcano XVI - The Tower, tarot Rider-Waite, ilustrado pela artista Pamela Colman Smith.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Adeus Incerteza


Desisti da incerteza que leva o teu nome.

Desisti de tudo aquilo que me deixou perdido nesta zona cinzenta entre o sonho e o despertar. Nesse lugar em que nada se realiza, mas tudo é possível: e são apenas possibilidades...

Estou tão cansado... Cansado de andar por entre minhas crenças a teu respeito. Cansado de caminhar por entre tuas hesitações espinhosas que me feriram incontáveis vezes... Ah! Como acreditei, nas madrugadas insones, que tu virias quando soubeste que eu te amava...

Andei tanto, por tantos mundos de tantas fantasias... Foram tantas as trilhas, traçadas com lápis de grafite, a espera das cores que nunca vieram - aquarela que nunca pintou um quadro nosso.

A espera pelo teu amor, sem saber se o teria, não trouxe sabor, muito menos cor, à minha vida.

Tudo ficou para um depois muito distante, que pode nunca acontecer, e a dúvida quando se demora num coração torna a esperança insepulta, aumentando, inconseqüente, a sofreguidão...

Impreciso o teu amor por mim, já não preciso mais dele. Hoje, deixo tão somente contigo, em teu nome, toda a incerteza.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Alone in Kyoto



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Na música: Alone in Kyoto, by AIR.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Always On My Mind


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No vídeo: Elvis Presley gravando (1972?) a canção "Always On My Mind".

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Humanidade (Natureza Morta)


Flores no jarro:

Diversos humores,


Pintados com dores,


Vaidades sem cores


Entregues ao barro.


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Na imagem: "Natureza Morta" by Fernando A. Menescal.

sábado, 13 de junho de 2009

Chove






Música: Primeiros Erros, composição de Kiko Zambianchi; interpretação, Capital Inicial.

sábado, 16 de maio de 2009

I have a dream...



Para descansar a alma...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Yin & Yang


Lembro o dia em que ela retirou meus óculos, dum jeito todo especial, antes de me beijar.

Sem eles, foram embora os últimos resquícios das palavras daquela poesia, impressas num diário, por nossas próprias mãos, e declamadas minutos antes com paixão.

Sob a meia-luz dum abajur, minh'alma despiu-se de toda a razão que se possa imaginar (e a alma nua é toda sentimento).

As bocas foram descobertas e nossas línguas, antes separadas pela articulação sonora das palavras, agora, loucamente, sentiam os desejos, tão acalentados pela ânsia, realizarem uma união silenciosa e ardente.

Falávamos do amor por outros meios...

Permitíamos indefesos que nossas línguas traduzissem e revelassem as maravilhas do desconhecido sobre cada um de nós.

Mesclávamo-nos em nossos gostos e neles nos perderíamos por horas e horas, porque eram muitos...

Quando finalmente cansado e ofegante, acalentei-a em meu peito.

Ao reencontrarem-se, em momentânea lucidez, os nossos olhos, consegui avistar-me em suas íris cor-de-mel que deixavam à mostra, sem pudores, as pupilas dilatadas pelo desejo não saciado.

Ela me queria mais...

Ainda desorientado, busquei-me feliz. Debalde, tentei reaver o conceito dos pensamentos a respeito do tempo e do espaço...

Perdi os meus óculos e não mais encontraria nessa noite a razão...

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Na imagem: Yin & Yang, os "opostos complementares".

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Shamisen vs. Taiko

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No vídeo: shamisen (cordas) - Shinichi Kinoshita; no taiko (percussão) - Hiroshi Motofuji. Música: "Raikou" (Relâmpago).

domingo, 26 de abril de 2009

Novo Fruto

Enquanto ela ouvia sua amiga, cheguei silencioso e travesso por detrás e, carinhosamente, retirei o ornamento de madeira que prendia seus cabelos castanhos.

Observei, encantado, como eles se desmanchavam em beleza e comprimento, até alguns centímetros além de seus ombros morenos...

*  *  *

Hoje de manhã, aquela menina estava diferente. Não eram meus olhos que me diziam, mas o lindo sorriso que ela me endereçou, momentos antes da aula começar.

Conversávamos animadamente, com outros colegas, trocando algumas impressões sobre as mensagens postadas em nosso grupo de estudos virtuais, quando não pude deixar de percebê-la mais alegre e bonita.

Dei com os ombros, e nem me importei de pronto com que vi, mas, sem notar já era um pássaro cativo na gaiola das emoções... A cor de sua pele, o seu olhar (inteligente e ao mesmo tempo ingênuo), o timbre de sua voz, o jeito de quem "vive no mundo da Lua" e ao mesmo tempo determinado, firme...

E minha cabeça foi ficando plena, apenas com ela.

Consegui, com certo esforço, assistir a aula que foi muito divertida por sinal (como sempre costuma ser), embora uma supervisora japonesa estivesse presente, avaliando, muito séria e atenta, a turma e a nossa "sensee".

Ao término da aula, compartilhamos nossos e-mails, para aprimorarmos a conversação no idioma via MSN e nos conhecermos melhor.

Eu e ela só nos veremos agora no próximo final de semana... Oxalá, possamos nos encontrar antes, no virtual...

A semana será longa, quiçá plena de incertezas... Já vi esse filme...

Nunca gostei de forçar nada. Sempre amei a espontaneidade, no que tange os assuntos do coração... O que não significa deixar que "corram frouxamente". Ajo conforme a ocasião. Permito que o momento dite a hora e o local certos. Tem sido bom assim.

Frente a esse contexto espontâneo, faço com que minhas palavras ganhem força, sinceridade e segurança, e tudo acaba por sair "kokoro kara" (de coração).

*  *  *

E foi dessa maneira que tudo aconteceu pela manhã, onde o dia teve início, quente e ensolarado.

Onde um novo fruto já despontou no galho da frondosa macieira, todavia, tão verde ainda...

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Na imagem: The Son of Man, 1964 - by René Magritte.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Meditação (2) - Hayabusa






Eu peregrino
Voo por sobre as mazelas da humanidade,
Cada vez mais altaneiro...

Vou até a morada das brancas nuvens
Que elevam minha vontade,
Ao encontro de Ti, meu Sol interior!

Eu retorno guerreiro;
Minhas asas, mais fortes, batem!
Delas, sai a brisa
Que surge na Aurora.

Sombras, tremei!
Hoje é dia de caça,
E nada escapará do caçador
Que desce vertiginoso do Céu!




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Na imagem: um hayabusa (falcão peregrino). Música: "Matsuri", by Kitaro.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Meditação (1) - Nenúfar


No lodo do pântano,
Tão fértil e generoso,
Sigo desabrochando...

Nele, sorvo o alimento
Que me faz transcender
A impermanência,
Tão escura...











Na imagem: um nenúfar (flôr de lótus), símbolo da transcendência espiritual. Música: mantra Madana Mohana Murari, arranjos by Tomaz Lima (Homem de Bem).

terça-feira, 7 de abril de 2009

O Retorno



Conheci em mim:

A solidão do egoísta;
A omissão do fútil;
O vício do descontente;
A preguiça do indiferente.

Na vida, já era um morto.
Morto pela decadência moral que me assolava,
Apenas esperava por aquela hora derradeira...

"Livre estarei" - pensei.
Triste engano.
Lá, como outrora aqui estive, permaneci.

Após 5 anos,
Errante,
Envolto em trevas,
Cansado,
Chorei arrependimentos.

Abençoadas, as lágrimas lavaram-me.

Uma centelha aqueceu-me o íntimo,
Antes endurecido pelas paixões da carne.

Alguém se aproximou,
Tocou meu coração,
Meus olhos se abriram,
Enlaçou-me o Amor...

No albergue da fraternidade, cheguei.

Forças recobradas,
Tarefas edificantes,
Novas lições,
Velhas lições,
Novos planos,
Planos a retomar...
Esperanças renovadas!

Refeito, ouvi da Justiça o seu brado:

- Filho, volta e recomeça!

Na caridade que consola;
No perdão que liberta;
Na temperança que apazigua;
Na disciplina que constroi!

Chorei mais uma vez, agradecido,
Nos braços de minha mãe,

Feito uma criança...

domingo, 5 de abril de 2009

Quando chover, não corra... Cante!


quinta-feira, 2 de abril de 2009

Fragmentos

Sou um amaldiçoado por Morfeu: condenado a sonhar acordado, eternamente ...


***

O Amor é a maior prova de que o tempo não existe.


***

Numa estalagem no centro do burgo, ouvi alguém regurgitar:

"Amor? Não, não... Só o corpo já nos basta!".

Lembro agora, mais uma vez, que, desde muito, o populacho abarca a idéia do romântico estar com os dias contados.

E lamento, sem lágrimas, por essa turba desesperançosa: pela frieza que suporta em seu coração e pelo futuro solitário que a aguarda...


***

Os únicos a ouvirem o revérbero das batidas deste meu coração apaixonado são os rochedos que brotam das escarpas e os grãos de areia de quartzo, no deserto que se estende imenso ao meu redor.


***

E me olho no espelho e sei quem sou porque minh’alma disse (címbalo que me desperta).

E me apercebo escrevendo na presença da melancolia, para acordar abraçado com a madrugada, molhado de sereno...

sexta-feira, 13 de março de 2009

O Pequeno Visitante


Hoje, recebi uma curiosa visita no setor onde trabalho.

O inusitado visitante era nada mais nada menos que um espécime de geco, vestido em pálidas cores, a buscar seu repasto noturno. Destemido, desafiava a gravidade com suas lamelas adesivas, na janela bem a minha frente.

A luminosidade, que se projetava ao exterior escuro pela vidraça, propiciava acidentalmente um chamariz ideal para os insetos: naquela hora, fatal seria o encanto deles pela luz...

Por poucos minutos, releguei meus afazeres, sem o comprometimento dos mesmos, a fim de acompanhar o intento do pequenino réptil. Queria observar-lhe a técnica de caça e, quem sabe, aprender algo sobre o animal. Intrigado, notei que não havia algo de mirabolante no seu modo de conseguir o alimento. Todavia, a criaturinha conseguia elevada taxa de sucesso na sua empreitada.

Os botes sucediam-se precisos, quando num dado momento, descobri o que o geco detinha de tão precioso - para além de seus atributos biofísicos. O instinto lhe havia conferido inquebrantável paciência, imperturbável concentração, prudência irretocável e denodada perseverança. Quatro qualidades que realmente o mantinham como um sobrevivente, num universo tão inóspito e sombrio!

Após a partida do visitante, já de volta às minhas atividades, meditando sobre algumas questões que o comportamento instintivo do animalzinho suscitara em mim, um insight surpreedeu-me o entedimento.

O grande havia construído, no pequeno, a sua morada...

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Na imagem: Geco escalando uma vidraça, photo by Michael Bretherton.


terça-feira, 3 de março de 2009

Vibrações



No céu, não tocam harpa.
O que ouvem por lá é som de bandolim...

domingo, 1 de março de 2009

Numa Tarde de Verão



Andava sem rumo certo pelas areias claras duma praia, no fim daquela tarde de verão.

Atrás de mim, as pegadas que gravei com meus passos eram tragadas uma a uma, gentilmente, pela travessura das ondas marotas. Cheias de sons e alegria, as vagas davam cambalhotas e deitavam e rolavam nas espumas brancas, deixadas por suas amigas, que se perdiam na rebentação...

Contemplava as cortinas do firmamento quando lentamente foram abertas. Acima da linha do horizonte, mãos dadas com a Estrela Vesper, a Lua Crescente já surgia longínqua, com seu sorriso cintilante. Do outro lado, o Sol, apressado, despedia-se alaranjado de melancolia por entre nuvens róseas retocadas de fulgurantes tons violáceos.

Frente a um coqueiral infinito, fechei os olhos por alguns segundos, apenas para ouvir o farfalhar de sua folhagem a balouçar, incessantemente, no ritmo suave duma aragem que me trazia paz.

Profundamente tocado, fiquei ébrio de amor e, fisgado pelo romantismo da paisagem marítima, inspirei-me.

Então, nas areias dessa praia, com um pequeno talo de madeira, talhei carta de amor que, naquela tarde, o mar imenso levou consigo para nunca mais me devolver, tamanho fora o seu amor por ela...

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ausência


Duas faces revoltas, como reflexos num espelho d’água, distorcidos por nossas próprias mãos.

Tão irreconhecíveis nos tornamos um para o outro que não mais nos encontramos quando juntos estivemos pela última vez.

Eu perguntava a ti onde estavas, pensando ser outro alguém... Tu perguntavas a mim onde eu estava, escutando outro te responder... Passamos a acordar, todos os dias, com estranhos ao nosso lado e somente agora percebo que esses estranhos éramos nós mesmos...

Assim, tão distantes, cada vez que fazíamos amor, era uma traição...

A mágoa endurecida deu forma à indiferença e transformou em migalhas nossa cumplicidade. Tudo o que chamávamos de lar se desfez como um castelo de cartas, soprado por um brusco fechar de porta.

Uma vergonha muda insculpiu em nossos rostos, antes acobertados pela ilusão, a solidão de dois seres na companhia da ausência.

Nada mais seria como antes.

Não houve adeus.


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Na imagem: The Lovers, 1928 - René Magritte.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Doce Demais...

A horda em miniatura, furtivamente, lançara-se delirante até o objeto de seu prazer.

Peguei-a desprevenida, embriagada, bebericando com avidez, cada gota daquilo que, para elas, deveria ser algo semelhante ao néctar dos deuses.

Na verdade, a doçura não passava de sacarose... Entretanto, nelas, as formigas, não havia qualquer sinal de discernimento quanto a isso.

E lá estavam, num total alheamento, em meu refresco de maracujá, às centenas!

Sobre o espólio adocicado, a turba manifestava franca algazarra, não sobrando empurrões e cotoveladas. Ali, deram adeus a toda disciplina e organização que as caracterizam com freqüência, no âmbito da Entomologia, como sendo uma “sociedade”.

Impressionado, vi dezenas flutuando, sem vida, na superfície do suco e muitas outras se afogando.

Mais de perto, constatei a causa mortis: insatisfação crônica. Sim, não se satisfizeram com que já haviam bebido. Quiseram mais e mais e mais! Abdomens pesados, que estavam repletos daquele mel, fizeram-nas tombar em direção à morte - ao que antes lhes sustentou o fascínio e o prazer excessivo...

Se falassem, diriam certamente que a culpa daquele morticínio era da gravidade, ou do copo que era liso demais, ou da química do açúcar, ou ainda da acidez do maracujá, ou dum “infeliz” que colocou o resto de suco naquele local de propósito.

Hora de acabar com o espetáculo.

Dei, sem aviso, algumas leves batidas no copo e dispersei os minúsculos vândalos sobreviventes. Mostrei para elas quem mandava ali...

Se falassem, diriam que os deuses estavam furiosos e que seriam punidas severamente com tempos de chuva torrencial ou estiagem total!

A tropa liliputiana finalmente debandava apavorada, de volta ao seu reduto.

Levantei-me.

Fui à copa.

Lavei o copo.

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Na imagem: Moebius Strip II, 1963 - M. C. Escher.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Saindo do Paraíso das Sombras


Surpreso, dei-me conta de que grilhões foram partidos.

Aquilo que me atormentava foi embora sem repressão, sem violência...

Estou perplexo e em paz.

Aquelas sombras minhas, desmancharam-se suaves e silenciosas, a maneira das trevas que recuam sem resistência, quando ao primeiro contato com as luzes da aurora.

Desapareceram como por encanto, perdendo a força incrível que tiveram sobre mim...

Vi, aliviado, dispersarem-se densas nuvens, ante o sopro contínuo duma brisa penetrante...

Antes escravo dessa força obscura, agora me encontro em convalescença, recobrando a autoconquista... Enfermo fui. Abatido pelo vírus da imprudência que expôs chagas profundas, carentes do bálsamo que só a disciplina poderia me conceder...

Todavia, pensei vacilante: a que preço realizaria essa disciplina em mim? Se tudo fosse feito de modo equivocado, aquele mal torna-se-ia mais forte, pela mesma razão que tudo proibido é mais atraente, cativante...

Ocorreu-me, então, a lembrança de um pensamento: “se a corda estiver muito esticada arrebenta, se estiver frouxa não toca”. Lançada estava a semente primordial de toda a minha recuperação...

Nunca esquecerei aqueles que me suportaram pelos seus braços e pelas suas amorosas palavras nas horas de franca aflição. Sábios amigos, pacientes e piedosos cujo grau de compreensão da natureza humana ainda estou muito aquém de alcançar... Não houve julgamento: ninguém atirou a primeira pedra... Pelo contrário, todos me incitaram a um constante autoperdão...

Gratidão eterna, a eles, evoco aqui.

Fui ao inferno e, se não fosse a serenidade com que andei por lá, inspirada por esses luminosos amigos, por lá teria ficado. Se houvesse resvalado no remorso incessante, no queixume improdutivo, na inquietação ingrata, indubitavelmente, teria permanecido para muito além dos dias em que passei naquele "paraíso das sombras"...

Apenas a resignação não submissa daquela infeliz condição abriria uma porta para entrada de quem me estenderia as mãos - e que não me cobraria um ceitil sequer. Assim o fiz: aceitei-me, não sendo mais conivente, porém, com os desacertos que me assolavam.

Quem me reconduziu, da escuridão íntima, para a claridade exterior; de um caos irracional, para a ordem da razão e da consciência, no final da jornada, liberou-me, deixando-me mais uma vez entregue ao meu próprio e inalienável livre arbítrio...

Sigo em frente, na certeza de que só dependo de mim mesmo, para não mais voltar a errar.

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Na imagem: L'Empire des Lumieres, 1954 - Rene Magritte.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Projeção


A alvorada já principiava tomar conta dos espaços. Chegava sem pressa, de braços dados com uma garoa fina que descia suavemente por sobre os traçados urbanos.

Um aroma gostoso surgia com a chuva, inebriando os sentidos... Amarras foram desfeitas e fui ao encontro dos meus sentimentos...

Ao sair de casa, ouvi os detalhes, nos edifícios e muros, cobertos de musgos e liquens, gritarem lembranças. Tudo era tão pichado de nostalgia, momentos de minha infância.

Andei em direção à praia, duas quadras de distância de onde moro.

No caminho, a umidade me revelou agradáveis sensações, enquanto atravessava uma avenida em pleno sinal vermelho. Carros não havia, nem alguém aparecia. Eu, ali sozinho, quem era? Por alguns instantes, acabei desconfiando de minha própria existência... Se eu sonhava, não sabia ao certo...

Ao passar por debaixo dum poste ainda aceso, surgi como algo distinto, luminoso. Ele, o poste, fora a única testemunha que me revelou acerca da presença etérea do meu eu por sobre as calçadas... Minha atenção voltou-se para a sua luz e enxerguei, no contraste com a penumbra que me cercava, uma miríade espetacular de gotas cintilantes caírem sobre mim.

Próximo à avenida beira-mar, pude sentir a brisa se tornar mais forte e prazerosa. Trazia o hálito salgado do oceano, espalhando suave maresia.

Tinha, agora, a mente arejada e o coração molhado de sereno.


Seiva & Fantasia (Dedicatória a Uma Amiga)



Enraizada, compôs a frondosa árvore, com suas folhas ao sabor do siroco rebelde, a melodia duma fantasia.

Sonhos e orvalhos, notas e alegria, inspirando harmonia.

Pássaros a solfejar e cores mesclados ao brilho refrescante dos frutos pendentes nos galhos-batutas.

Executa agora, e rege assim com maestria, a frondosa árvore, sua música livre e inocente, a impregnar todo ambiente - leveza sonora - da mais pura paz profunda, no raiar da aurora...


* * *

Embora na época em que escrevi o texto acima (publicado agora com pequenas alterações), não pensasse em alguém, quero, neste momento, dedicá-lo - com todas as boas sensações e recordações que ele me traz - a uma pessoa em especial.

À memória de uma nova(?) amiga, cujo nome já conhecia, mas, não sei dizer por qual motivo, reencontrei em minhas lembranças com tanta vividez...

Sei que ela ainda se encontra entre nós, de outra forma... Sei também que o pensamento, expresso aqui pelo coração, até ela, irá chegar...

Um abraço fraterno e carinhoso para você.

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Na imagem: "Nascer do Sol, tirada de minha janela", bosque HCC UMUARAMA-PR, foto by Udson Pinheiro.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Macaco, A Moringa e O Monge


Realmente, estava difícil.

A moringa, embora possuísse formas generosas, tinha um gargalo bastante estreito...

O macaquinho faminto nunca iria conseguir retirar a sua pequena pata daquela vasilha, segurando o petisco.

Um jovem monge, de nome Mamoru, vira toda a cena. Pondo de lado os sutras, foi ligeiro ao encontro do animalzinho em apuros. Gesto este que sofreu, na voz de seu superior, uma pronta repreensão. Monge algum deveria, pelas normas do templo, abandonar a leitura dos escritos sagrados!

Mamoru, nem de longe importou-se com a advertência de seu mestre. Tão pouco, permitiu-se abalar pela rápida lembrança das já conhecidas conseqüências que sua indisciplina poderia trazer-lhe... Mesmo assim, segurou e entornou cuidadosamente a moringa com uma das mãos para logo fazer cair na outra a doce iguaria.

Sorrindo como uma criança, viu o bichinho, com o fruto maior que a boca, ganhar o mundo novamente...

Ao retirar-se, o macaquinho atrapalhado derrubou a moringa que se espatifou em infinitas partes. Neste instante, o jovem monge surpreedeu-se ao ver, surgindo dos fragmentos de barro, cercado pelo brilho dourado mais intenso, Siddhartha Gautama - o Buddha Shakyamuni, Senhor da Compaixão!

Um aroma de sândalo invadiu o recinto...

Mamoru reverente e de joelhos viu, maravilhado, a destra luminosa do numinoso ser tocar-lhe o ombro, gentilmente. Após sentir a virtude daquele Buddha, teve a vívida sensação de que labaredas consumiam-no, todavia percebesse o corpo de carne ainda íntegro...

A ardência se propagou ao longo de toda a coluna vertebral, alcançando, finalmente, o alto de sua cabeça. Seguindo o ardor, sobreveio um frescor de plenitude. Uma intensa paz arrebatou a sua alma para um mundo além do imaginado.

Algo como uma flor de lótus, ali desabrochou lentamente e Mamoru atingiu a iluminação...

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Na imagem: estátua de Buddha situada no pagode de Shwe Kyee Myin, Mandalay, Myanmar.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sendo Verdadeiramente Grande



Montanha imponente
Coberta de neve,
Escondeu-se na alvura:
Humildade pura.


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Na imagem: o Monte Fuji, pico mais alto do Japão (3.776 metros de altura), localizado na província de Shizuoka.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ao Encontro da Luz


A rocha se rende ao esmerilho, vira o diamante cobiçado.

O metal vai à forja, vira o aço da espada.

A semente é lançada ao estrume, vira o perfume duma flor.

O trigo é sacrificado no forno, vira o pão que aplaca a fome.

A lagarta desaparece no claustro do casulo, vira o encanto da beleza.

O pássaro agita suas asas no céu rarefeito, vira ode à liberdade.

O ser humano vai ao encontro da dor, vira amor...

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Na imagem: Allegorie de Soie, 1950 - Salvador Dalí

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Alquimia da Alma


Os sentimentos são conseqüência da evolução do que se encontra no recanto mais primitivo de nosso psiquismo... Por origem, são naturais.

O social ajuda, indubitavelmente, o ser humano, no burilamento dos sentimentos. Em sociedade, evoluímos o que sentimos, através das relações de ódio e amor, coragem e covardia, compaixão e crueldade, sentindo e percebendo as conseqüências que elas trazem consigo.

Aqui, é o amor egocêntrico de alguém (egoísmo) que se transforma mais tarde num amor pelo marido ou esposa, ou ainda pelos filhos, pela Nação...

Ali, é o sentimento de culpa por um mal realizado e que, após a expiação devida, se converte num sentimento de gratidão pela oportunidade de passar pela experiência do erro e da aprendizagem...

Acolá, é o sentimento de tristeza que se demonstra, por se achar só, que cede lugar ao sentimento de solidariedade por descobrir que ninguém é solitário quando é solidário...

Dessa forma, os sentimentos vão se transubstanciando uns nos outros, numa verdadeira alquimia redentora, facultando-nos, em meio a experimentos e provações do cotidiano, através de grandes e pequenos ensaios, a conquista paulatina de nosso ouro espiritual.

Este fascinante assunto ainda é repleto de mistérios... E me parece inesgotável, tanto quanto infindável é a nossa evolução...

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Na imagem: Mosaic II, 1957 - M. C. Escher.

Sonetóide V (Ch'ien, "O Criativo")



Eclode no céu, terrível tormenta,
Entre raios ruge a voz dum trovão,
Serpeando nos nimbos, o ser se apresenta,
Com a sua chegada, irrompe um clarão!

Seu hálito sopra comoção violenta,
Elevando as ondas, explodindo o vulcão,
Enchendo represas, que a chuva arrebenta,
Lançando carvalhos, de milênios, ao chão.


Ante a sua passagem, as feras se escondem,
O homem se curva, pedindo perdão,
A natureza se agita com a mutação!

Senhor dos ciclos, do caos e da ordem,
Da morte, da sorte, da germinação,
Condutor do Destino, implacável Dragão!

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Na imagem: o Dragão Celestial. Ser que representa, na mitologia chinesa, a força criativa do universo.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sonetóide IV (Miríade)



Inocente natureza,
Inspiração divina verdejante,
Úmida sensação refrescante,
De insustentável tom de leveza.

Harmonia nos seres reinante,
Fonte de inesgotável pureza,
Da variedade que gera riqueza,
Coroada com o belo ofuscante.


Folhas e flores unidas pela sutileza
Dum dégradé de colorido inconstante,
Tingindo com precisa delicadeza.

Criatividade aromática penetrante,
Que nos tange a alma com gentileza,
Despertando um amor latejante.

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Na imagem: floresta de algum lugar da Terra do Sol Nascente.

Sonetóide II (Urbe et Caos)



Labuta em farta agonia a cidade;
Turba social que a rotina abate;
Sedenta pelo ouro ofertado ao mascate;
Frenética busca, conformada insanidade.

Intratável perdura a necessidade,
Sugando das criaturas o suor escarlate;
Reprimida a vontade em alviltante embate;
Apenas sobram os desejos, idólatras da ansiedade.


Esvai-se a realidade insustentável,
Que maltratada implora afeição,
No cárcere urbano da egóica alienação.

Realçando a ignorância, caótica condição,
Ergue-se vitoriosa humana degradação,
Modelando imprudente o réprobo miserável.

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Na imagem: Hora do rush em Hong Kong. - descoberta in Blogwaw.

Sonetóide I (Redenção)



Luz e trevas disputam a quintessência,
Que fragmentada se rende à mutação,
Fazendo brotar o real, antes aparência
No íntimo, sob o despertar da evolução.

Transubstanciada a consciência,
Modelada por inquietante oposição,
Rompe a crosta da ausência,
Alçando vôo para a renovação.


Retoma o encanto da inocência,
Na sublime purificação da existência,
Após catártica fecundação,

Sobrevindo o amor em transcendência,
Na gloriosa experiência,
Da humana redenção.

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Na imagem: Day & Night, 1938 - M. C. Escher.

Posse

Uma flôr de jasmim!

Quero dá-la para alguém: a eleita de meu coração!

Todavia, meu desejo de retirá-la do lugar em que se encontra será sua perdição...

Uma vida por um breve momento de alegria. Quanto tempo duram as rosas nas mãos de quem amamos?

Os espinhos dizem: "não me leves!". As pétalas perfumadas dizem: "sim! Traz as tuas mãos até aqui!".

Amar sem o desejo de possuir é um arte.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Elegância

A verdadeira elegância nasce espontânea, pois que é fruto da nobreza de caráter, sem afetação, que encontrou moradia num coração amadurecido pelas experiências da vida.

Não há fórmula externa para sua conquista. Roupas, perfumes, cosméticos, não conseguem mascarar a verdade subjacente de quem não possui essa qualidade. Basta, muitas vezes, uma simples contrariedade, para que todo o verniz, que lustrava a mera aparência, escorra e revele o quão fosca pode estar uma alma vazia de virtude.

Ser elegante é muito mais do que expressar um andar gracioso, gesticular cuidadosamente, apresentar boas maneiras à mesa, vestir o figurino mais atual...

Ser elegante passa pela auto-estima nascida de um amor real por si mesmo, auto-suficiente, e não a pseudo-auto-estima alicerçada na vaidade gerada por um ego infantil.

Não se compra a verdadeira elegância, ela é conquistada dia após dia, e independe do status social, como poderiam pretender...

Curiosamente, os elementos que mais dão elegância à vida de um ser humano, hoje em dia, são tidos como algo démodé: gentileza, respeito, confiança, paciência...

A moda se refaz às custas da necessidade. O superficial, de mãos dadas com o supérfluo, conquista o sonho e a imaginação ingênuos. Os valores são invertidos. Aquilo que é inadequado, impróprio, sem sentido, transforma-se na oportunidade de ser aceito por um grupo de pessoas que violentam seus gostos, seus modos saudáveis de ser; que perderam a individualidade e um pouco mais de suas já minguadas liberdades...

Nesse frenesi de ilusões, onde a utilidade é virada pelo avesso, sacrifica-se a elegância no altar das aparências. Imprestáveis, novos paradigmas surgem, cobrando bolsos (e indivíduos) vazios. Modificam seus preços, num ritmo tão célere, que nem sempre o dinheiro pode comprar (para desespero de alguns).

A verdadeira elegância não é beleza transitória, um mero ornamento, e nem se deixa corromper pelo modismo da ocasião. Nada esconde. Revela. É verdade imperecível da alma. Nunca morre. Transforma-se, podendo ser aperfeiçoada.

Traço sublime duma alma elevada, a elegância, sempre poderá ser encontrada em algum lugar do mundo íntimo daquele indivíduo que permite a si mesmo, incondicionalmente, o ato de amar.

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Na imagem: Clarice Lispector

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conhecendo o que nos mata

Quando li o texto "Não tem graça...", de Sheila, lembrei-me duma rápida pesquisa que fiz, há um mês atrás, sobre o tabaco e sua fumaça, mormente no aspecto quantitativo.

De acordo com João Ferreira Galvão et al. (2008) tudo aquilo que o tabaco traz em sua intimidade é resultante das características do local de seu cultivo, bem como da forma como fora secado e armazenado. Em decorrência dessas circunstâncias, a quantidade de substâncias encontradas nele pode chegar a 500. Quando queimado, esse número se eleva a 4.720 (!!!).

Isso ocorre porque, na queima do tabaco, duas reações são desencadeadas: a pirólise (na qual alguns componentes sofrem decomposição térmica, formando moléculas menores) e a pirossíntese (as moléculas fracionadas recombinam-se construindo novos componentes).

A fumaça do cigarro é oriunda da combustão incompleta do tabaco (a completa acontece apenas em brasa, onde as temperaturas chegam aos 850 °C).

A química dessa fumaça depende dos seguintes fatores:

- Qualidade do tabaco;
- Modo de embalagem;
- Tipo de filtro e do papel;
- Temperatura de queima;
- Modo de fumar.

Durante o consumo de um cigarro, a liberação dessa fumaça apresenta duas fases distintas: uma gasosa (que acomete o fumante ativo) e a particulada (que gera os fumantes passivos e o "fumo de terceira mão").

A primeira fase, a gasosa (gases e vapores formados na pirossíntese e pirólise), advém do ato de tragar e se produz em temperaturas elevadas. A fase particulada (substâncias voláteis, dispersas em aerossol), por sua vez, acontece em temperaturas mais baixas, durante a queima lenta do cigarro, entre as tragadas.

Ao fumar um cigarro, uma pessoa consome cerca de 1.012 partículas. Para efeitos de comparação, a poluição dos centros urbanos atinge 106 partículas por ml, nas mais altas concentrações.

Alguém poderia perguntar: mas o cigarro não possui filtro? Possui. Mas, é preciso dizer que, embora os filtros mais potentes consigam obter uma margem de retenção de cerca de 99%, devemos levar em consideração o tamanho da partícula filtrada. Esse percentual é alcançado somente quando o tamanho da partícula é igual ou superior a 0,3 micrômetros. Portanto, abaixo disso, os filtros não funcionam...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Brueghel, O Velho

Quando menino, bem pequeno mesmo, fiquei impressionado com duas pinturas que havia aqui em casa.

Eram, na verdade, cópias pequenas, emolduradas com muita simplicidade. Sobre ambas, uma fina proteção de vidro lhes dava um aspecto de integridade, como se quisesse conferir-lhes brilho e valor.

Ficavam dependuradas num pequeno corredor, em local estratégico. Impossível quem não as visse, ainda que de relance, todos os dias.

Nunca me interessei em saber onde, de que modo e com quem meus pais adquiriram essas peças. Meu interesse era tão somente pelas imagens gravadas, suas cores e traços bem marcantes, bem como pelas histórias que elas pareciam querer me contar.

Vez por outra, segurava um destes quadros e me perdia num mundo de imaginação: conseguia vislumbrar a alegria e a dança dos camponeses medievais; forjava diálogos entre eles e os soldados; e ficava querendo juntar as duas imagens para criar uma única vila...

Eram cópias aparentes, porém, para mim, transformavam-se em realidades que saltavam vivazes diante de meus olhos, envolvendo-me como se lá estivesse.

E estava...

Mais tarde, por meio da coleção intitulada "O Mundo da Criança", tomei conhecimento de que os conteúdos desses quadros não passavam de meras imitações de duas obras dum grande pintor flamengo, que viveu século XVI, chamado Pieter Brueghel (1525/30 - 1569).

Dizem que Brueghel recusava-se a pintar quadros e retratos para igrejas, contrariando prática comum daquela época. As cenas do cotidiano medievo despertavam-lhe maior interesse.

Observando suas obras, percebemos também a paixão que possuía pelas paisagens celestiais tempestuosas, montanhas alcantiladas, árvores desnudas, neve abundante, campinas verdejantes que cintilam em tempos primaveris...

Sua arte toma forma e ganha relevo por meio de cores radiantes, figuras humanas repletas de vitalidade e cenários majestosos.

Hoje, Brueghel pode ser encontrado em galerias de museus situados em Washington, Detroit e Nova Iorque (como exemplo, o Metropolitan Museum of Art).


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Atualizando (09/06/2010):

Antes, havia colocado como background deste blog, quando o mesmo se chamava "Servo da Gleba", uma imagem que era uma singela homenagem de minha parte a esse grande pintor. A obra escolhida: The Corn Harvest (August)1565 que pode ser vista aqui.