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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Eu te amo, em silêncio...



"Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som..."

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No vídeo: Lulu Santos canta a música "Certas Coisas"- Acústico MTv.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pessoa


Na Véspera de não Partir Nunca

Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranqüilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fítando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

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Álvaro de Campos, in "Poemas"


Na Imagem: retrato de Fernando Pessoa - MS Paint -, by Gaijin.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Resposta a um Amigo


Costumo trocar correspondências via e-mail com um grande amigo, analisando e emitindo opiniões acerca de temas variados. Hoje, respondi mais uma dessas "cartas", na qual ele quis saber as minhas impressões a respeito da seguinte sentença de Eckhart Tolle:

"Nós somos o céu. As nuvens são as coisas que acontecem, tudo o que vem e vai".


* * *

O citado pensamento tolliano me remete à lembrança da porção imutável (centelha divina) em nosssa intimidade.

Durante uma viagem de ônibus, em que meditava sobre esse assunto, clareou-me a cabeça um insight:

A água muda de fase, invadindo os subsolos ou buscando os céus. Preenche formas variadas que vão do relevo terrestre às células eucariotas e procariotas. Suporta paciente a poluição, não grita diante das pressões abissais e nem se assusta nas quedas das cachoeiras. Serve humilde, movendo máquinas e atendendo, incansável, o consumo doméstico das populações. Alberga em seu seio, com generosidade materna, as mais variadas espécies de seres. Pode ser vista como uma singela gota de orvalho ou como um imenso manancial. Ora traz o belo arco-íris, ora o forte estrondo de um trovão... Arrebenta diques com força irresistível, sendo que, na lágrima, escorre no rosto com delicadeza...

A água faz tudo isso sem deixar de ser o que é!

Da mesma forma que esse "líquido sagrado", vejo o céu evocado por Tolle, como sendo a representação do que somos, na essência, mas que ainda não integramos de forma plena ao nosso consciente...

O ceú pode estar límpido ou nublado, mas nunca deixará de ser o que é!

Diante dessa realidade, se nos sintonizarmos com a essência, a Verdade, aquilo que é imutável através dos séculos, sempre teremos condições de superarmos, com serenidade e paciência, as adversidades, por compreendermos o caráter transitório das coisas e situações (nuvens).

Elevando-nos ao "céu interior", dilata-se o discernimento e conseguimos fazer uma distinção mais nítida entre o mutável e o permanente.

Mário Quintana, poeta, tradutor e jornalista brasileiro, de certo modo, já havia se inteirado dessa realidade quando, em célebre texto, intitulado "Poeminha do Contra", disse:


"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!"

E para onde vai esse "eu-passarinho", ao voar, senão para o céu que traz consigo, em seu mundo interior?!

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Na imagem: belíssima foto realizada por Diego Cavichiolli Carbone

Atribuição 2.0 Genérica (CC BY 2.0)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Os Sete Odores do Arco-Íris Urbano

O ser humano exala, intensamente, sete odores:

Papel-moeda

Cosméticos

Sexo

Cachaça

Fumaça de cigarro

Óleo de automóvel

Gordura de lanchonete

A Origem da Morte*

Fobos e Deimos subiram até o cume de uma grande montanha e, evocando Bóreas, o devorador, pediram que este soprasse à humanidade a maior de todas as mentiras:

- Tânatos existe!

A frase maldita se dispersou com o vento traiçoeiro, e todos os cantos do mundo tiveram seu conhecimento. A partir de então, o egoísmo e um de seus filhos, o apego, encontraram guarida na alma de cada criatura humana.

Ícelo teve liberdade de agir ao meio dia, e os pesadelos surgiram na vigília. Foram vistas sombras nas calçadas das cidades e sobre as plantações.

Cidadão algum estaria mais em segurança, porque todos quiseram tudo apenas para si - vergastados dia e noite pela cobiça e pela inveja - numa busca insana por proteção...


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*Da Série "Reescrevendo Mitos" - by Gaijin.


domingo, 10 de abril de 2011

Água Doce


Espiava no igarapé aquele pedaço da mata virgem em forma de mulher. Uma morena, tão nua, toda entregue ao Sol, deitada em cima de imensa vitória-régia. O calor havia repousado as mãos no seu corpo suado que brilhava de satisfação. Os longos cabelos negros esparramados sobre a água eram alisados por suave correnteza que levava a jovem, lentamente, para longe de mim...

O curumim me puxou pela camisa.

__Num vai lá atrás da minha irmã, não?!

__Peraí... Tô pensando no que eu vou fazer... __respondi.

__Pensa não, vai lá... Senão, ela some...

__Você sabe dos meus medos...

__Então, espera ela voltar.

__Espero não. Tem que ser agora!

__Olha, ela tá indo embora... Vai perder minha irmã pro rio! __brincou o pequeno.

Vim de longe, para estas terras abençoadas pelo Cruzeiro do Sul graças a uma incrível geração que velejou por imensos mares nunca antes navegados, numa inconsequente, ousada e bem sucedida aventura. Entretanto, cá estou, sem conseguir dar algumas simples braçadas em pouca distância... O menino parece uma piabinha em ribeirões... Inveja danada desse indiozinho que vive tomando banho e mergulha dando cambalhotas...

Eu sei nadar, mas acontece que o ânimo de cair n'água trouxe alguns medos clandestinos nos porões de minha nau. Realmente, o difícil era entender o que se passava em meu coração: estavam desaguando, às margens dos riachos por onde andava, amores e temores parecidos com aqueles que eu sentia quando em alto-mar...

Desde que aqui cheguei, causam-me calafrios, as águas doces e escuras dos rios à sombra das frondosas árvores. Quase sempre, quedo por alguns minutos, imaginando que criatura poderia encontrar, escondida no lodo do fundo ou sob os milhares de aguapés... Quando consigo enxergar algo além da superfície, não raro, vejo apenas um emaranhado de raízes e hastes submersas, de coloração castanha escura e esverdeada, cobrindo as profundezas...

Todavia, algo me atrai nesses riachos, porque, apesar de tudo __é quase irresistível__ há um desejo de sumir sob as águas, em um nado oculto, rumo ao desconhecido...

A índia percebeu a nossa movimentação por detrás da moita e gritou desconfiada. O curumim, aos pulos e berros, pegou-me pela mão e mostrou-me para a irmã que abriu um lindo sorriso. Fiquei sem jeito... Ela acenou, chamando. Meu coração disparou. Chamei-a de volta. Ela fez um gesto de negação com a cabeça, apontou para mim e depois encostou a palma da mão na vitória-régia.

__Você fica! Eu vou! __falei, pegando no braço do indiozinho que, saltitante, já ia entrando n'água.

__Chegou a coragem?! __alegrou-se o pequeno.

__Não... Ainda, não... __suspirei, caindo em mim mesmo.

A correnteza prosseguia e o chamado da índia já parecia um adeus.