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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Você consegue?


Porque nesta nossa paixão, com tantas dúvidas e palavras dúbias, jogadas na cara um do outro, nunca soube dizer em que parte de mim eu termino e você começa...

Do Casamento


Certa feita, voltando da faculdade com uma colega de classe, acabamos tocando no assunto "casamento". Conversa vem, conversa vai, ela pergunta:

- Você tem vontade de casar?

- Não. - respondi sem pestanejar.

Depois da resposta, senti-me como alguém que jogara um palito de fósforo aceso em tonel de gasolina: a menina se inflamou e despejou críticas a torto e a direito, a respeito desse meu posicionamento.

Ela ficou tão indignada, que nem me deu atenção, quando lhe falei que o fato de alguém não desejar se casar, não quer dizer sempre que a pessoa seja um "irresponsável sentimental"; que não mereça confiança alguma nos assuntos do coração; que não queira compromisso... Mesmo assim, apenas restou para mim o meu silêncio, num lamento íntimo, pois a menina não parava de falar, querendo que eu me convertesse num "bom moço"!

No dia seguinte, ao término da última aula, ela saiu na frente para não ir até a parada de ônibus comigo e, a partir de então, passamos a conversar esporadicamente. Sobre casamento, nunca mais. Isso ocorreu há uns três anos. De lá para cá, outras pessoas, também têm manifestado um certo repúdio a essa minha visão, de forma mais ou menos agressiva que essa minha "amiga".

Sinceramente, entendo e aceito quem encara a questão do casamento dentro da visão tradicional. Respeito, claro, quem admira e defende toda a ritualística que o envolve, seja no âmbito religioso ou jurídico. O amparo legal do nosso Direito aos cônjuges é algo demasiado importante frente à questão dos bens, da herança, do cuidado aos filhos. O casamento "de véu e grinalda" ante um altar, para os religiosos, pode ser um momento sublime, no qual se materializam os laços espirituais, tidos neste momento sagrado como indissolúveis e transcendentais...

Mas, eu me pergunto, existindo o amor, realmente, faz-se necessário a vivência de toda essa tradição? O amor por si só não seria a Lei que haveria de reger a conduta dos que decidiram caminhar lado a lado nesta vida?

A tradição pode suprir, quando muito, as necessidades do corpo; as do coração, jamais. Pode dar um certo ar de importância, de seriedade, a uma relação de conveniência, pela qual muitos na sociedade demonstrarão respeito, imaginando ser um matrimônio exemplar, quando, na verdade, os supostos casados não passam de dois indivíduos que se suportam amargamente sob um mesmo teto. Chamam o lugar onde moram de tudo, menos de "nosso lar". Vivem, porém não convivem.

Não raro, a devoção pela convenção esmerada esconde um "vácuo emocional" no coração dos nubentes...

* * *

Por falar no assunto "lar", gostaria de fazer um rápido adendo à esta discussão.

O lar, para mim, nasce dentro de um conceito bem mais subjetivo. Considero-o a "alma" da casa. Se as quatro paredes de uma casa são feitas de tijolos, as paredes de um lar são feitas com os melhores sentimentos. Encaro-o como o resultado de uma relação afetiva e emocional construtiva, capaz de ultrapassar as quatro paredes de uma casa. Dessa forma, os que se amam podem até morar sob tetos diferentes, distantes um do outro e, mesmo assim, ainda estarão unidos num mesmo lar.

* * *

Outro ponto que confesso, e que muitos também não aceitam, é pensar numa relação onde os parceiros, tendo cada um o seu cantinho para morar, de tempos em tempos, conviveriam sob o mesmo teto. Isso resolve problemas de privacidade, evita o tédio e a rotina, apimenta a relação pelo despertar da saudade, etc...

É evidente que havendo filhos, tudo ganha contornos distintos, sem contar que casais ciumentos podem sofrer muito nesse tipo de convivência. Importa, nessas horas, muita conversa, responsabilidade e maturidade.

Esse assunto é muito vasto e o que digo aqui é apenas en passant.

O que eu almejo, de fato, numa relação a dois, é espaço para exercer o amar - e isso já me basta -, porque reconheço o Amor como a minha Lei, o meu fanal, doa a quem doer...

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Na imagem: Le prêtre marié, 1961 - by René Magritte.

sábado, 13 de novembro de 2010

Ascensão


À noite, o matagal era a imagem do silêncio e a Lua Cheia, aos poucos, ia assumindo o seu zênite.

Através de algumas brechas na folhagem densa das copas do arvoredo, os feixes argentinos do luar espremiam-se para conseguirem tocar o chão da floresta. O surgimento deles, naquele recanto escuro, era o sinal pelo qual o besouro Zé Esmeraldino tanto ansiava...

De dentro dos arbustos, o pequenino inseto, com cautela, movimentou suas antenas à procura de algo no ar que lhe indicasse a presença de algum sapo, tarântula ou centopéia. Nada percebendo, aprumou os élitros e disparou em direção a árvore mais próxima. Iniciava assim a maior aventura de sua vida!

Agarrou-se como pôde em imensas raízes tabulares que rasgavam o terreno à maneira de intermináveis estradas acidentadas. Alcançando o lenhoso caule, percorreu com dificuldade os sulcos profundos e as calosidades na casca grossa da velha planta como quem vence abismos e canyons.

Por pouco não se perdeu na copagem, em meio ao labirinto de ramos e folhas, conseguindo sair dele, graças a ajuda de lagartas pacientes. Também lançou mão de alguns truques que levava consigo para escapar das longas fileiras de formigas nervosas.

Esmeraldino era muito sabido. Andou na ponta dos pés perto de vespeiros e uma vez permaneceu imóvel, ciente da cor que o revestia, para confundir-se com o ambiente no intuito de ficar virtualmente invisível aos olhos dum camaleão faminto que por ele passava.

Numa ocasião, arriscou-se em vôos breves de um galho a outro, desafiando o equilíbrio com ousadia, no embalo de frias correntes de ar traiçoeiras. Em outro momento, quase tombou inebriado pelo perfume de belas orquídeas e pelo doce apelo da seiva viscosa, oferecida por percevejos libertinos.

Insistia, porém, na escalada, sem se dar conta de quantos escorregões sofreu, por descuido, em largos limbos de grandes folhas...

Atingindo a cimeira, finalmente, a intrépida criaturinha contemplou perplexa o faiscar dos astros na abóbada celeste. Não cabia em si de contentamento! A visão era bem mais bela que o imaginado!

Quando a temperatura baixou, a umidade se condensou magicamente sobre o folhame, formando o sereno da madrugada. Os milhões de gotículas passaram a refletir, cada uma, a imagem do firmamento, trazendo o céu infinitas vezes à Terra!

Zé Esmeraldino escolheu uma gota de tamanho maior, dela se aproximando. Com os olhos arregalados, viu a Lua espelhada na superfície líquida e apalpou-a carinhosamente com suas antenas. Fascinado, quis trazer o universo inteiro para si...

Sorveu o orvalho.

Em assombro, sentiu que saía dalí voando numa velocidade maior que a da luz... Percorreu galáxias distantes, conhecendo nebulosas, quasares, supernovas, buracos negros, cometas e muitos corpos celestes e... muitas outras dimensões...

O valente besourinho verde, desde então, nunca mais fora visto.

Uma onça pintada vive espalhando um boato pela vizinhança, dizendo que Esmeraldino brilha agora, no céu, como uma constelação. Ela jura, com as quatro patas juntas, que viu o dia em que isso aconteceu e ainda aponta para o local onde o pequeno herói estaria imortalizado.

Todavia, um macaco capuchinho traz uma outra versão da história: ele ouviu a passarinhada cantar, em plena alvorada, que Zé nunca mais fora visto, porque nunca mais fora o mesmo...


sábado, 6 de novembro de 2010

Mangue City


O sol nasce e ilumina
As pedras evoluídas
Que cresceram com a força
De pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam
Vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas

E a cidade se apresenta
Centro das ambições
Para mendigos ou ricos
E outras armações
Coletivos, automóveis,
Motos e metrôs
Trabalhadores, patrões,
Policiais, camelôs

A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce

A cidade se encontra
Prostituída
Por aqueles que a usaram
Em busca de uma saída
Ilusora de pessoas
De outros lugares,
A cidade e sua fama
Vai além dos mares

E no meio da esperteza
Internacional
A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos

A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não pára
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce

Eu vou fazer uma embolada,
Um samba, um maracatu
Tudo bem envenenado
Bom pra mim e bom pra tu
Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus

Num dia de sol, recife acordou
Com a mesma fedentina do dia anterior.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Só, o meu querer


Eu só queria beijar o teu ventre para arrancar-te uma gargalhada gostosa...

Eu só queria abraçar-te sob um temporal vespertino para ver tuas lágrimas de saudade saciada brilharem mais que os pingos da chuva...

Eu só queria espalhar, na tua companhia, em cima da cama, nossos livros de poesia, de filosofia, e abstrair de cada página os versos, as palavras, de nossa revelação...

Eu só queria conversar contigo, à beira-mar, sem sentir o dia virar noite, até que enxergássemos as nossas almas apenas em nossas vozes...

Eu só queria prender, entre meus dedos, os teus cabelos desarrumados pela brisa, para acariciar o teu pescoço desnudado...

Eu só queria comer, uma pizza bem grande contigo, sem culpa - nós dois, sentados no chão, feito crianças, lambuzados...!!!

Eu só queria ficar olhando para teus olhos, teus lábios, até o teu rosto na timidez corar com um sorriso recatado...

Eu só queria fazer-te sentir tesão, quando pegasse na tua mão, sem que esperasses por isso...

Eu só queria poder ser teu cúmplice em tudo e em mais alguma coisa...

Eu só queria poder dizer-te mais sobre esse tudo que não cabe aqui...

(Mas fiquei só, nesse querer, pelo teu não me querer...)