rss
email
twitter
facebook

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Papel Manchado



Choro calado,
Escorre nas letras,
O branco borrado,
Em negro nanquim.

Ponta pequena,
Com lágrimas negras,
Será longa pena,
Riscando, sem fim...


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Grito Mudo


Desde que me entendo por gente, neste nosso mundo hipócrita e vaidoso, o solidário, o bom, o justo e tantas outras virtudes são continuamente condenadas ao ostracismo. Além disso, a busca pela liberdade - a todo custo - fez de nós escravos dos nossos próprios desejos desenfreados.

Nunca esteve tão à margem dos processos de convivência social, a procura pelo bem e pelo equilíbrio. O normal é cultivar a loucura na inconseqüência, arriscando a vida no vício e buscando a banalização das sensações e dos sentimentos por puro prazer egoísta. Freqüentemente, a desculpa é a de que procuramos por uma "solução" para existência humana. Todavia, não nos damos conta ainda de que esta mesma "solução" ocorre pelo caminho mais fácil e covarde...

Lamento sim, essa nossa decadência moral fruto de uma tremenda ignorância. Embora acredite que esta mesma ignorância seja uma etapa necessária, rumo a condições de maior harmonia intra e interpessoal, fico aqui com meus botões, pensando: até quando o chafurdar nessa lama de iniqüidades? Até quando há de permanecer neste mundo a louca e indevida satisfação que se demora em nós, por ainda nos comprazermos num erro, por acreditarmos que essa decadência veio para ficar?

O imaginário popular parece contradizer a minha crença na impermanência da ignorância, no seu ditado "pau que nasce torto, nunca se endireita". É isso mesmo e pronto? Acabou? Vamos ficar apenas com a mobilidade social alheios à mobilidade moral? Para quê educação então?

O fato é que nos acomodamos à cegueira, ao tatear no escuro, aos tropeços e quedas... Parece que desenvolvemos um cinismo dormente perante o sofrimento que provocamos em nossas vidas e na dos outros. Cheios de remendos, damos com os ombros conformados (conformistas) e prosseguimos em verdadeira alienação sobre como estamos e a respeito de tudo que nos cerca.

Vale lembrar que a verdadeira revolução humana se dá de dentro para fora, no autodescobrimento. Essa revolução quase sempre passa desapercebida. Ela é silenciosa e ninguém a vê, por isso mostra ao orgulhoso a sua pequenez; é inalienável e perseverante, por isso desperta o preguiçoso do sono da inércia; é profunda e marcante, por isso o essencial e a responsabilidade tomam o lugar do frívolo; é lenta e gradual, por isso cura o impaciente...

Entretanto, quantos têm a coragem de lidar com idéias e hábitos "tortos", condicionados, tão bem acalentados e sedimentados no decorrer de anos e anos? Quantos têm vontade de reconhecer e aceitar as falhas trazidas no coração para depois diluí-las no auxílio ao próximo?

Podem ser mudados os governos, modificadas as instituições, criados novos ministérios e secretarias, erguidas escolas, universidades, templos e igrejas, e locais outros de excelência cultural, mas, sem reforma íntima, não haverá mudança real.

Sem cocheiros bons, sem homens de bem na condução das vidas, sem que nos conduzamos bem, as carruagens tenderão a novos tombos fatais: rodas e eixos quebrados, cavalos indisciplinados puxando em várias direções, atropelamentos...

Sem a busca pelo bem e pelo justo, que deve estar arraigada às nossas ações do cotidiano, por menores que elas sejam, toda a educação será uma farsa, ou apenas uma promessa vazia, e contiunaremos sendo (sabe-se lá até quando!) mandatários, presos a pesados grilhões, daquilo que trazemos de pior dentro de nós mesmos.

_____________________

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares ...

É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos..."

(Fernando Pessoa)

_____________________________

Na imagem: O Grito (1893), by Edvard Munch.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Pedagogo

Na sala de aula, em frente ao quadro negro, despertou com um gosto apurado de massapê na língua. Em sua boca, havia sementes que mastigara, escarificando-as, enquanto contemplava o horizonte além da janela.

Lançou os grãos, com paixão desvelada, na vastidão do campo que se estendia a sua frente. Eram verbos que se debulhavam, pouco a pouco, revelando o significado dos arcanos.

Aqui e ali se deparava com gente de alma barrenta, aparentando infertilidade no pensamento, desinteresse no coração. Persistia, porém, estóico, e não fugia ao compromisso assumido. Mãos calejadas na charrua, lavrava o solo da insipiência.

Regava com suor, saliva e lágrimas escondidas aquilo que semeava nos rostos de terra que se fazia árida pela ignorância malcriada.

Ao término da aula, sentia-se alegre e aliviado, quando via germinar, aos montes, as sementes arduamente plantadas. Os brotos verdes-claros surgiam rapidamente. Suas raízes já eram profundas e ganhavam o âmago dos aprendizes, trazendo revolução.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Plenitude



O mar é minha salvação porque eu sou um pescador.

Minha rede busca aquilo que outras redes não podem arrastar, por isso, sempre a recolho vazia.

Muitos, na vila, falam: "Estás louco? Como podes, todos os dias nada pescar em oceano de tanta fartura? Não sabes pescar!".

Eles trazem tanto em suas redes e nunca estão satisfeitos. Não sabem que, nada trazendo, tudo há de preencher as suas redes...

E digo-lhes mais: se eles, nada fossem, todo o mar, neles, caberia e teriam todos os peixes do mundo!