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sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quando era um pouco mais jovem...

- Vamos civilizar o mundo! - dizia meu pai com a ironia que sempre lhe fora peculiar, enquanto ia pondo um vinil de música erudita na vitrola.

Meu dia começava assim, aos domingos...

Das nove da manhã até às três da tarde, abríamos as portas de casa para que adentrasse uma plêiade de ilustres visitantes: Vivaldi, Bach, Corelli, Schumann, Berlioz, Grieg, Villa-Lobos, Beethoven, Schubert, Mozart, Mendelsohn, Haydn, Haendel, Tchaikovsky, Strauss, Dvořák, Debussy, Liszt, Torelli, Mussorgsky e tantos outros.

Para mim, a nossa sala de estar ganhava as dimensões dum salão de festas palaciano, todavia, sem a presença vaidosa e inconveniente de "nobres" e de intelectuais que costumavam, e até hoje assim o fazem, amontoar-se onde se ouve boa música.

Quando a agulha nos discos tombava, as sinfonias, os concertos, as árias, os corais, as suítes, as valsas e os minuetos exalavam por todo ambiente sua grandeza e graciosidade. Falavam conosco, os compositores, de espírito para espírito, sobre o melhor da Natureza - o que incluia o homem, evidentemente.

Por entre allegros, largos, andantes, adágios e prestos, as obras sucediam-se cronologicamente: Barroco, Classicismo, Romantismo... dando sentido àquela aventura musical.

Cada uma dessas épocas fazia emergir a sua cota de imagens em minha tela mental, trazendo-me uma gama imensa de emoções e sentimentos indescritíveis. É próprio da música instrumental essa magnífica arte do "nada impôr, apenas sugerir"; de modo que, para cada nova audição, uma nova realidade, porquanto vamos morrendo e ressurgindo nos segundos que não cessam...

Elas, as melodias, traziam-me a união com o divino, as nuances da vida urbana, o amor impossível, o calor causticante do deserto, o sopro do vento campestre, o azul do mar e sua arrebentação, o tédio e a melancolia, o irromper do trovão, o martírio do herói, a chuva suave, os perfumes da primavera, a passagem do tempo, o frio invernal, o canto dos pássaros, a alegria dos camponeses após a colheita, a paixão pela pátria, o pôr-do-sol no outono, a solidão, a saudade, a liberdade... e muito mais! Sempre mais...

Ainda continuo percebendo situações sentimentais novas quando as ouço...

Um dos momentos inesquecíveis nesses nossos encontros era quando se fazia sentir a presença do compositor polonês, Frédéric Chopin (1810-1849).

Poderia passar o resto da noite (e a madrugada inteira) adjetivando positivamente a obra desse mestre e, mesmo assim, além de não ser suficiente, tudo isso não acarretar qualquer significado para quem lê estas linhas (o açúcar é doce, mas apenas chegamos a essa conclusão quando o experimentamos...). Melhor que falar da música é vivê-la:

A razão de postar esse vídeo foi porque, dentre outras versões que escutei até o presente instante, essa interpretação é a que mais se aproxima daquela outra que ouvi, quando era um pouco mais jovem...

*   *   *  

São atribuídas a Joseph Haydn (1732-1809), compositor do período denominado Classicismo, as seguintes palavras: "Muitas vezes - lutando contra obstáculos de toda ordem, ou sentindo minhas forças falharem e acreditando difícil perserverar no caminho escolhido - um secreto sentimento murmurava dentro de mim: 'existem poucas pessoas contentes e felizes aqui na Terra; talvez, teu trabalho possa, um dia, ser a fonte onde os fracos, abatidos e sobrecarregados encontrem alguns momentos de repouso e bem-estar'".

Passados duzentos anos da morte desse notável músico, digo-lhes que, na minha pessoa, o "talvez" dessa voz sublime, transformou-se em certeza...

2 vozes:

RS disse...

vc sempre me deixa sem palavras...

m disse...

" (...) para cada nova audição, uma nova realidade"
No meu caso, não sei o que veio primeiro: música ou literatura, uma vez que, através da frase supracitada, percebe-se que seus universos são muito semelhantes.

Já conhecia seus textos antes, muito antes de começar a publicar os meus; e só o fiz porque passei a acompanhar o trabalho da minha gracinha, Tainá.
Gosto de seus textos. Este, em especial, lembrou-me daquele chavão "era feliz e não sabia". Bom, talvez você o soubesse e fosse, ao mesmo tempo - e espero, sinceramente, que continue assim, mesmo que não o saiba. (:

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