Certa feita, voltando da faculdade com uma colega de classe, acabamos tocando no assunto "casamento". Conversa vem, conversa vai, ela pergunta:
- Você tem vontade de casar?
- Não. - respondi sem pestanejar.
Depois da resposta, senti-me como alguém que jogara um palito de fósforo aceso em tonel de gasolina: a menina se inflamou e despejou críticas a torto e a direito, a respeito desse meu posicionamento.
Ela ficou tão indignada, que nem me deu atenção, quando lhe falei que o fato de alguém não desejar se casar, não quer dizer sempre que a pessoa seja um "irresponsável sentimental"; que não mereça confiança alguma nos assuntos do coração; que não queira compromisso... Mesmo assim, apenas restou para mim o meu silêncio, num lamento íntimo, pois a menina não parava de falar, querendo que eu me convertesse num "bom moço"!
No dia seguinte, ao término da última aula, ela saiu na frente para não ir até a parada de ônibus comigo e, a partir de então, passamos a conversar esporadicamente. Sobre casamento, nunca mais. Isso ocorreu há uns três anos. De lá para cá, outras pessoas, também têm manifestado um certo repúdio a essa minha visão, de forma mais ou menos agressiva que essa minha "amiga".
Sinceramente, entendo e aceito quem encara a questão do casamento dentro da visão tradicional. Respeito, claro, quem admira e defende toda a ritualística que o envolve, seja no âmbito religioso ou jurídico. O amparo legal do nosso Direito aos cônjuges é algo demasiado importante frente à questão dos bens, da herança, do cuidado aos filhos. O casamento "de véu e grinalda" ante um altar, para os religiosos, pode ser um momento sublime, no qual se materializam os laços espirituais, tidos neste momento sagrado como indissolúveis e transcendentais...
Mas, eu me pergunto, existindo o amor, realmente, faz-se necessário a vivência de toda essa tradição? O amor por si só não seria a Lei que haveria de reger a conduta dos que decidiram caminhar lado a lado nesta vida?
A tradição pode suprir, quando muito, as necessidades do corpo; as do coração, jamais. Pode dar um certo ar de importância, de seriedade, a uma relação de conveniência, pela qual muitos na sociedade demonstrarão respeito, imaginando ser um matrimônio exemplar, quando, na verdade, os supostos casados não passam de dois indivíduos que se suportam amargamente sob um mesmo teto. Chamam o lugar onde moram de tudo, menos de "nosso lar". Vivem, porém não convivem.
Não raro, a devoção pela convenção esmerada esconde um "vácuo emocional" no coração dos nubentes...
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Por falar no assunto "lar", gostaria de fazer um rápido adendo à esta discussão.
O lar, para mim, nasce dentro de um conceito bem mais subjetivo. Considero-o a "alma" da casa. Se as quatro paredes de uma casa são feitas de tijolos, as paredes de um lar são feitas com os melhores sentimentos. Encaro-o como o resultado de uma relação afetiva e emocional construtiva, capaz de ultrapassar as quatro paredes de uma casa. Dessa forma, os que se amam podem até morar sob tetos diferentes, distantes um do outro e, mesmo assim, ainda estarão unidos num mesmo lar.
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Outro ponto que confesso, e que muitos também não aceitam, é pensar numa relação onde os parceiros, tendo cada um o seu cantinho para morar, de tempos em tempos, conviveriam sob o mesmo teto. Isso resolve problemas de privacidade, evita o tédio e a rotina, apimenta a relação pelo despertar da saudade, etc...
É evidente que havendo filhos, tudo ganha contornos distintos, sem contar que casais ciumentos podem sofrer muito nesse tipo de convivência. Importa, nessas horas, muita conversa, responsabilidade e maturidade.
Esse assunto é muito vasto e o que digo aqui é apenas
en passant.
O que eu almejo, de fato, numa relação a dois, é espaço para exercer o amar - e isso já me basta -, porque reconheço o Amor como a minha Lei, o meu fanal, doa a quem doer...
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Na imagem:
Le prêtre marié, 1961 - by
René Magritte.