Alcançaram-me as últimas horas da claridade vespertina. Nesse momento, tudo o que realmente me pertence converge para uma única direção...
Surpreso, avistei, ao atravessar uma das pontes sobre a foz do Capibaribe, uma súplica do Belo ao Amor contra a frieza dos seres que se julgam humanos: o Sol em seu ocaso, ainda soberano, desmanchando a palidez tristonha da cidade.
Sua luminosidade, refletida pela superfície d'água, cintilando no movimento contínuo das marolas, inundava o interior do coletivo em que eu estava, com um dourado intenso, ofuscante.
O disco solar fazia sua estampa em minha retina, enquanto seus raios espargiam em todas as direções possíveis - e também inimagináveis.
De olhos entreabertos, enxerguei com certa dificuldade admirável transmutação ocorrer.
Como um pintor de inigualável habilidade, o astro rei derramava, gentilmente, sua palheta de cores brilhantes na tela fosca de minh'alma, e por meio de precisas e suaves pinceladas, revelava-me o ouro sideral mais puro e maciço que trazia comigo...
Levava para casa, um sorriso de luz num rosto pintado de Sol. Autorretrato de uma estrela, nunca visto por alguém.
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Na imagem:
"The Pleasure Principle (Portrait of Edward James)", 1937. By
René Magritte.