Meia-noite na capital.
Pela janela aberta do ônibus, a chuva descia em meu rosto quente. Vinha com a brisa do movimento, e desejou meus olhos fechar. Parecia um choro, mas me convenci de que era apenas água salobra, escorrendo no canto dos olhos...
Recife se despiu na minha frente, quase sem vivalma em suas artérias que sangram todo dia para lugar nenhum. Eu, inclusive, um freqüente ausente de mim, não me contei entre os noctívagos que por ela transitavam no esquecimento dessas horas.
Nem Recife e nem eu me possuíam.
Enquanto eu bebia a chuva, eivada com o meu sabor agridoce de humanidade desacordada, o ônibus fatiava as avenidas, as pontes e os viadutos, engolia o tempo e regurgitava meus pensamentos sem os mastigar...
Ao chegar em casa senti falta de algo meu que fugiu no silêncio e quedou em alguma rua cujo nome não sei pronunciar, porque deixei a noite falar sobre mim por toda viagem.
Enquanto sonhava um sonho de passageiro, mais um pouco de quem sou cresceu e partiu.
Partiu-me em duas metades.
A que ficou, sei que vai morrer...
Uma hora da manhã na capital.