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domingo, 10 de outubro de 2010

Partida


A ingenuidade arrumou as malas e saiu de casa.

Saiu de mim...

Na sua passagem, pelo quarto de minhas recordações, havia deixado um vinco em meus lençóis - que desfiz com as duas mãos.

A desilusão tem perfume de jasmim.

Tomou o aposento por inteiro, trazida nos braços duma doce aragem que me assanhou os cabelos.

A janela estava escancarada.

Sempre esteve.

Sempre desejei que, um dia, a ingenuidade saísse por aí.

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Na imagem: tela de René Magritte.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Que Queremos Realmente?


Menina, não me relegue ao impossível.

É melhor render-se ao medo em vez de ao amor? Durante quanto tempo, verbos nossos se renderam medrosos a sujeitos ocultos?

Sabemos que de nada adianta corrermos loucos e egoístas para os braços da solidão, peitos abertos, sem corações, enquanto estes permanecerem partidos, sangrando e batendo nas mãos de quem amamos.

Há, entre nós, uma certeza ainda não desatada e suplicante: que libertemos a paixão e gritemos um ao outro nossos nomes!

Aquilo que tu sentes por mim não merece o duro chão frio sob nossos pés, a escuridão desditosa, o esquecimento vetusto.

Todavia, pergunto-me por quanto tempo iremos sobreviver a tudo isto de evitarmos sentimentos; de fingirmos que não sentimos; de proibirmos em nós o que queremos tanto sentir?

O que me resta, por tua culpa, é trair-te com a sorte incerta e com esta fazer amor - até o momento em que tua boca revele o meu nome...

sábado, 2 de outubro de 2010

Lágrimas & Imortalidade



Músicos, quando choram, vêem suas lágrimas escorrerem pelas faces de seus instrumentos.

É aí, então, que cada lágrima acaba por ferir uma corda e todo sentimento, na forma de canções com belas melodias, emerge do âmago de suas almas, tornando os artistas inesquecíveis, imortais.

Enquanto isso, no Círculo Polar Ártico...



Assim como a humildade, a prudência é uma virtude muito apreciada pelos povos do extremo oriente.

A imagem de uma velha raposa atravessando cautelosamente um lago congelado é proverbial. Com os ouvidos atentos, o animal responde a qualquer estalo de gelo partindo-se, ao mesmo tempo que procura os pontos mais seguros para trilhar.

Por outro lado, a sabedoria oriental também nos diz que uma raposa jovem e imatura representa o agir imprudente de alguém. Ao lançar-se de modo audacioso na travessia, ela estaria sob o sério risco de cair n'água gelada, a poucos metros da margem oposta, ameaçada de perder todo o esforço empreendido.


* * *

Escrevo estas linhas, no intuito de deixar vívido, na minha memória, o cultivo da prudência nesses dias apressados, repletos de intranqüilidade, em que vivemos. Prudência nos atos, nas palavras e, principalmente, nos pensamentos (que comumente criam a escravidão ou a liberdade da alma).

Quinta-feira passada, vivenciei no trabalho uma situação que me deixou com "cara e focinho de jovem raposa". O desafio que enfrentei foi algo difícil e longo. Não cabe descrevê-lo neste espaço, seria enfadonho. Apenas digo que passei por uma verdadeira prova de resistência (na paciência)! Tudo transcorria bem, até que nos últimos instantes, "pisei" onde não devia e tomei aquele banho d'água gelada...

Não houve danos materiais, tão pouco terceiros foram prejudicados. Existiu sim um vacilo moral de minha parte que, de certa maneira, "maculou" o resultado da atividade realizada por mim. Tirou-me a graça da boa ação.


* * *

Olhando, agora, para a foto acima, curioso como a pelagem branca do animal não me evoca qualquer idéia de paz ou pureza espiritual. A leitura que faço é aquela na qual essa cor nos remete a um dos emblemas da ignorância: à maneira de algumas folhas de papel em branco, trazendo apenas a promessa de tudo nelas ser escrito...

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Na imagem: uma raposa-do-ártico (Alopex lagopus), também chamada de "raposa polar".