Lembro o dia em que ela retirou meus óculos, dum jeito todo especial, antes de me beijar.
Sem eles, foram embora os últimos resquícios das palavras daquela poesia, impressas num diário, por nossas próprias mãos, e declamadas minutos antes com paixão.
Sob a meia-luz dum abajur, minh'alma despiu-se de toda a razão que se possa imaginar (e a alma nua é toda sentimento).
As bocas foram descobertas e nossas línguas, antes separadas pela articulação sonora das palavras, agora, loucamente, sentiam os desejos, tão acalentados pela ânsia, realizarem uma união silenciosa e ardente.
Falávamos do amor por outros meios...
Permitíamos indefesos que nossas línguas traduzissem e revelassem as maravilhas do desconhecido sobre cada um de nós.
Mesclávamo-nos em nossos gostos e neles nos perderíamos por horas e horas, porque eram muitos...
Quando finalmente cansado e ofegante, acalentei-a em meu peito.
Ao reencontrarem-se, em momentânea lucidez, os nossos olhos, consegui avistar-me em suas íris cor-de-mel que deixavam à mostra, sem pudores, as pupilas dilatadas pelo desejo não saciado.
Ela me queria mais...
Ainda desorientado, busquei-me feliz. Debalde, tentei reaver o conceito dos pensamentos a respeito do tempo e do espaço...
Perdi os meus óculos e não mais encontraria nessa noite a razão...
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Na imagem: Yin & Yang, os "opostos complementares".